Estava sentindo algo estranho. Talvez estivesse sendo observado, mas só teve certeza disso quando, depois de muito lutar contra seus temores, virou-se pra trás e deu de cara com um muro de concreto.
Natural se fosse um muro comum, daqueles estáticos e sem vida. Estranho foi ver que ele andava, ele tinha vida, ele o seguia. Desesperou-se. Estava sendo seguido por um muro de concreto. Um muro de concreto o seguia!
Coçou os olhos, forçou o vômito. O muro continuava lá, cinco passos atrás dele. Correu. Correu o mais rápido que pôde. Buscava despistá-lo. Entrou em lojas com portas estreitas, saiu pelos fundos. Chegou ao metrô, entrou no primeiro vagão que avistou. Sentou-se aliviado. Olhou em volta, tudo normal. Que susto tomou ao descer do vagão. Lá estava. Alto, duro, forte. O muro sabia que ele desceria ali, e ali o esperava.
O relógio marcava 20h40. O céu chorava lágrimas cansadas e pesadas que em sua cabeça estalavam, mas na do muro derretiam. Aliás, aquele muro tinha trejeitos humanóides. Que estranho. Não sorria, não tinha boca. Mas cabeça e braços e pernas sim. Um muro com vida, mas sem boca. Um pedaço grande de concreto que gritava sem precisar falar. Só seus passos eram ecoados pela cidade toda.
Quando percebeu que o muro não o deixaria, enfezou-se. Com medo, pânico e ódio, correu. Mas correu pro muro, em direção a ele. Chutou-o. Esmurrou-o. Xingou-o. Caiu sentado, afinal era um muro de concreto! Ok, passou a ignorá-lo. Era um muro ué, o que ele poderia fazer a não ser, ser um muro. Em sua casa, deitou-se. O muro em pé, de fronte dele. Deitado, mas sem dormir. Estava intimidado, ainda era observado por uma figura sem visão. Fechou os olhos com força. Pensando terem passado algumas horas, surpreendeu-se ao ver que só o ponteiro dos minutos havia caminhado. Levantou-se. Fez café. Bebeu café. Ofereceu café ao muro, que não manifestou nada. Talvez estivesse se acostumando com aquela figura estranha em sua companhia. Quem dera. Não estava se acostumando coisa nenhuma. Quando saiu novamente à rua, mergulhado em pensamentos, entrou em transe. Ouviu um tilintar em sua cabeça, que saia por seus ouvidos e se transformava num zumbido agudo. Incomodava. Olhou pro muro que se sacolejava. Ele também ouvia o zumbido? Ele também ouvia o zumbido! Mas além disso, o muro sentia o zumbido. Ele não tinha ouvidos, mas ele ouvia e sentia o zumbido.
E foi nessa hora que percebeu que o muro seguia seus instintos. O muro era seus instintos. O muro era ele mesmo! Nunca se vira no espelho em forma de muro. Acontece que no segundo em que essa idéia se aclarou em sua mente, olhou em torno de si, e começou a notar que cada pessoa que circulava pela rua tinha por perto um objeto grande ou pequeno que a seguia. Uma aura, uma sombra, mas ainda assim, elas mesmas. O zumbido que ouvira fora o estopim para essa análise. Analisou. Analisou cada segundo desde o momento que viu o muro pela primeira vez. Mas por que levou 32 anos até vê-lo?
Acontece que cada um leva seu tempo. O muro, a parede, o cristal ou a geléia, existem. Diferentes formas, tamanhos e intensidades. Como anjos da guarda, talvez anjos perversos, nos acompanham. E só notaremos isso tudo, no dia em que algo grave estiver pra acontecer.
Atravessou a rua. Fora atingido por um carro que passou o sinal vermelho. Pego em cheio, não resistiu. E o muro, passou a ser enxergado por um novo alguém.
terça-feira, 18 de agosto de 2009
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