quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Experimentar é viver

(Para Cláudia)

Quando optou por gastronomia, sabia que seu pai se oporia. Não adiantava nem lutar. Em silêncio, arrumou as malas, viu sua mãe chorar, e saiu de casa.
A imagem que guardara dele fora a de sua nuca falhada de cabelos brancos, que se movia a cada tragada que dava no cigarro enquanto ela se despedia dos outros membros da família. Mãe e irmã a acompanharam até a rodoviária. Foi difícil ir embora sem abraçá-lo, mas ele preferiu assim.
Chegou em São Paulo pela manhã do dia seguinte. Fazia sol e o trânsito era caótico. De início ela se assustou com a velocidade daquele lugar, mas sabia que em uma semana se acostumaria, afinal sempre gostou de novidades.
Os dois anos de curso passaram voando. E durante eles, poucas as vezes em que falou com o pai, em aniversários apenas. Ela se esforçou para mostrá-lo como essa profissão era reconhecida, mas ele não dava a chance nem de ouvi-la. A filha mais velha era formada em medicina.
No dia de sua formatura, a família foi pra São Paulo encontrá-la. O pai permaneceu em Minas. Ela sentiu. Ele também.
Mais dois anos se passaram. Ela se tornara chef de uma requintada cantina italiana, no Bexiga.
Sua mãe não tomava partido; feliz com a felicidade da filha, infeliz com a infelicidade do marido. A irmã, não saía mais de São Paulo. Todo final de semana que podia, lá ía ela ao encontro da mais que irmã, melhor amiga. Sempre se deram bem, mas agora com a turbulência em casa, se uniram ainda mais.
O emprego estava ótimo e a vida também. Se apaixonara por um rapaz que conhecera durante uma tarde enquanto comprava frutas no CEAGESP. Ele era executivo, ía lá todo sábado, para relaxar. Dizia que o cheiro daquele lugar, era terapêutico. De uns tempos pra cá, passaram a cruzar aquelas portas juntos, cheios de sacolas, direto pra casa dela. Casaram-se em uma cerimônia intimista, com 2 convidados. A irmã dela, e a mãe dele. Preferiram assim.
Em um ano, uma crise os afetou. Ela descobriu que ele era um maníaco. As brigas se tornaram rotina. Ela não podia sair de casa que ele ía atrás. Ciumento possessivo, não a permitia a menor liberdade. Sentia-se prisioneira. Ela não mais o amava... Quis gritar pela ajuda do pai, mas sabia que, agora, precisava caminhar sozinha. Foi atrás de um advogado e dividiu com ele suas aflições. Ele lhe dissera sobre o divórcio, mas que precisava da assinatura do rapaz. Foi um processo um tanto quanto conflituoso. Durante meses ela fez o que pode para conseguir o consentimento do marido, mas ele era contrário. Dizia que essa era uma decisão muito drástica. Que eles se gostavam e precisavam estar juntos. Ele gostava dela. A recíproca, um dia, fora verdadeira.
O advogado a assessorou como pode, até que, finalmente, o divórcio fora concretizado. Seus pais nunca o conheceram. Ela pedira a irmã que guardasse segredo e, todas as vezes em que a mãe vinha visitá-la, o marido estava viajando a negócios. Ela sempre calculou exatamente os períodos para evitar o encontro. Ela não sabia por que, mas achava melhor que a relação fosse mantida em segredo. Quando se divorciou do rapaz, sentiu como se fosse um aviso: 'Ainda bem que não falou nada. Além de cozinheira, agora divorciada... Seria um desgosto muito grande para o pai.'
Andava num período bastante solitário. Perdera o gosto por ir ao CEAGESP, sentia um vazio dentro do peito. Depois dessa fase conturbada, tomou uma decisão...
Escreveu uma carta ao pai contando tudo. Que se casara e se divorciara. Que passou por um período turbulento e que o único que pôde ajudá-la foi o seu advogado. Que era uma cozinheira renomada, mas que andava infeliz. Que sentia falta do seu pai, seu herói. E que decidira, com 30 anos, prestar vestibular para direito.

Hoje, com 42, mora na casa dos pais. Tem um namorado, mas não quer saber de casamentos. Os almoços aos domingos é ela quem prepara, e durante a semana, é a juíza mais respeitada de Minas Gerais.