quinta-feira, 28 de maio de 2009

O Botão Queimado

O que mais lhe chamava a atenção no elevador de seu prédio era que um dos botões, mais precisamente o do 6º andar, tinha um de seus quatro cantos queimado. Eram botões quadrados, com o numeral em metal, envoltos por um cubo de acrílico. E justamente essa parte em acrílico estava queimada. Meio escurecida, levemente derretida...
Se ela morava no prédio, então sentia que o botão também era um pouco seu, e a incomodava vê-lo queimado. Na verdade, ela procurava uma explicação para tal ato de vandalismo. Será que foi puro e simples vandalismo? Talvez tenha sido apenas um acidente. Mas quem andaria com fogo dentro do elevador? Um fumante?
Bom, ela sempre soube que era proibido fumar dentro de elevadores. Talvez por que a fumaça pudesse incomodar os outros passageiros, ou talvez pelo fato de que, caso o fumante ficasse preso por determinado motivo dentro do elevador, ele poderia vir a se sufocar pela fumaça criada por ele mesmo. Complexo. Na verdade, ela sempre pensou que o cigarro era algo bastante complexo. Do tipo de um câncer que vem em caixinha. Por que as pessoas pagavam por isso? Essa era uma discussão que ela sempre tinha com ela mesma, mas que nunca chegava a conclusão alguma. Até mesmo já tentara fumar uma ou outra vez para arriscar entender a graça deste ato, mas não obteve sucesso. Engasgada, desistiu.
Mas o botão lhe intrigava.

domingo, 24 de maio de 2009

Sobrevivendo

Contratos se firmam sem que os olhos se encontrem
Num mundo fugaz as relações se estremecem
O contato se mostra cada vez mais distante
Perante as vistas cansadas
Máquinas se amontoam
Incessantes
Globalização de sentimentos
Tecnologia de aceleração
Corações confinados
Inconformados
Querendo ou não
Mágoas acostumadas
Sobrevivem sem se notar
Sofrimentos se escondem
Para que dentro de alguns
Ainda possam viver

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Substituição

Não te troco por ninguém
Eu apenas te rebaixo
Subo ao teu posto outro alguém
Que me consome e me convém

A que tomou seu lugar, acredite,
Não foi por nenhuma maldade
Ocupou-me corpo, mente e coração
E seu nome é conhecido; o seu nome é saudade.

Às vezes chega a doer
Mas ao menos estou acompanhado
Cansei de olhar sem ver
De ouvir o silêncio, de gritar calado

Você continua comigo
Apenas trocou de posto e foi rebaixada
Habita meus olhos e pensamentos
Só desceu um degrau da escada

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Vou fugir de casa

Com 5 anos, se enfezou com sua mãe e correu para o quarto arrumar a mochila que lhe acompanharia durante sua fuga. Decidida, não pensava em mais nada além de ‘Vou embora dessa casa’.
Chegava a ser engraçado vê-la, irritadíssima, colocando ursinhos de pelúcia e chinelos cor de rosa dentro de uma mochila da Barbie.
Enquanto sua mãe tomava um banho, ela rapidamente abriu a porta da cozinha, e sem encostá-la de volta, saiu com toda a sua mudança nas costas.
Saindo do banheiro, ainda enrolada na toalha, sua mãe grita seu nome, e sem obter respostas, sai ao seu encontro. No quarto não estava. Na sala não estava. Na lavanderia não estava. Na cozinha não estava. Não podia ser verdade que ela realmente estava levando a sério esta idéia de fugir de casa. Revirada de cabeça para baixo, a casa parecia vazia sem sua presença.
Sua mãe, aos prantos, e ainda de toalha, notou a porta da cozinha entreaberta e o elevador parado em seu andar; abriu a porta dele para que saísse em disparada à procura de sua filha pela vizinhança. Antes que isso acontecesse, a encontrou deitada, com a cabeça apoiada na mochila, dormindo profundamente enquanto o elevador continuava parado em seu andar.

A Gravata

Quando fora fazer sua primeira entrevista de emprego aguardara durante alguns segundos, num enorme saguão, até que algum, dos 8 elevadores, abrisse sua porta enquanto a seta apontada para cima piscava em tom esverdeado.
Quando isso aconteceu, entrou e deu de cara com um enorme espelho. Preocupada em manter sua aparência impecável, nem notou que um senhor de aproximadamente 60 anos entrou logo em seguida dela. Virou-se para apertar o 16º andar e quase deu de cara com uma brilhante gravata azul que se apoiava na enorme barriga daquele homem. Sem graça, pediu desculpas, apertou o 16º e encostou-se a um dos cantos do espaçoso elevador, que mais parecia um salão de festas.
Como o homem engravatado não apertou nenhum outro botão, imaginou que iria para o mesmo andar que ela. ‘Será que era com ele a entrevista?’. Esse questionamento durou alguns segundos, até que novamente reparou em sua gravata. Brilhante e azul. Azul e brilhante. Na verdade, ela não entendia o porquê destas duas características unidas em uma única gravata. Talvez se fosse só azul, ou só brilhante, bastasse. Os dois juntos a incomodavam. O senhor notou que ela olhava fixamente para sua gravata, mas fingiu que não. Ela, hipnotizada, nem percebeu.

sábado, 16 de maio de 2009

Diálogo entre Fortes

Guerras atrás de guerras, corrupção, banditismo... Motivo foi o que não faltou para que Deus tomasse sua decisão.
Deus: Vou acabar com o mundo!
O diabo, através de fontes obscuras e jornalismo ilícito, recebeu essa notícia com espanto e na mesma hora tratou de agendar uma entrevista com o Todo Poderoso.
Às 19hrs do dia 17/06/2006 eles se encontraram num campo neutro para ambos: o Purgatório.
O Diabo bebendo um “Capeta” e Deus “Água Benta” eles iniciaram a conversa.
Diabo: Antes de mais nada gostaria de parabenizá-lo pela sua decisão. O apocalipse proporcionará ao inferno um aumento incrível de nossa população.
Deus: Muito pelo contrário meu caro. Venho, por meio desta decisão, salvar almas perdidas, para que num próximo mundo, este seja mais bem administrado, povoado e cuidado.
Diabo: Como assim? E os meus futuros habitantes irão todos para o céu?!
Deus: Você não tem futuros habitantes. Todos usufruirão de uma segunda chance.
Diabo: Mas e os que já tiveram uma segunda chance em vida?
Deus: Bom, esses irão passar por uma entrevista detalhada, mas, terão sim, uma oportunidade de se hospedar no céu!
Diabo: NÃÃÃÃOO! Você está fora das tuas regras! E os pecadores reincidentes?
Deus: Em busca de um mundo melhor eu vou refazê-lo a partir dos habitantes atuais! Todos passarão por uma reforma moral!
Diabo: Não concordo com só uma palavra do que você está dizendo. Eu também tenho direitos sobre as pessoas. Principalmente sobre os pecadores! Não caia em contradição e permita-me tê-los.
Deus: Até agora você já habitou o inferno de diversos seres humanos! Faça-se por contente! Com o fim do mundo as pessoas irão todas, sem exceção, para o céu.
Diabo: Eu quero pelo menos o Bush, o Bin Laden e o Palocci. Eles terão uma utilidade imensa lá nas Terras Quentes. Diversos dos que já se arrependeram povoam o céu!
Deus: Contente-se com o Hitler que já está no Inferno.
Diabo: Eu sou insaciável. Quero sempre mais. E se eu não tiver os três citados eu me oporei a sua decisão e depositarei todas as minhas forças contra.
Deus: Eu sou mais forte que você e ambos sabemos disso.
Diabo: Porra Deus. Vamos tornar essa nossa conversa amigável! Entremos num acordo. Concorde com as minhas exigências que eu permito que você dê um fim no universo sem intromissão nenhuma!
Deus: Posso ceder-te um desses. Você tem o direito de escolha. Mas apenas um. Não passará disto.
Diabo: EU NÃO QUERO UM! EU QUERO TODOS! EU, NA REALIDADE, GOSTARIA DE OBTER ALÉM DESSES! VOCÊ DEVERIA DAR-SE POR SATISFEITO POR EU APENAS EXIGIR OS TRÊS!
Deus: Aceita um gole de “Água Benta”? Sinto que você está começando a se exaltar. Efeito do álcool que você está ingerindo!
Diabo: Que mané “Água Benta”! Eu quero o Palocci! O Bin Laden! E não satisfeito faço exigência do Bush!


Dias se passaram e essa conversa nunca teve fim. Hoje, dia 08/07/2009, Deus e Diabo mantêm-se em discordância. Tudo que ficou resolvido foi que Deus puniria as pessoas pelos seus atos na Terra e essas iriam para o purgatório para que fossem julgadas. O fim do mundo não se mostra ainda próximo, e só ocorrerá quando céu e o inferno tiverem um acordo. Por enquanto, Palocci, Bin Laden e Bush continuam na terra. Mesmo que essa não seja a vontade do Diabo e nem da maioria dos habitantes do planeta, Deus os mantém vivos até que a morte os pegue de surpresa! Como todos, irão também para o purgatório e terão seu julgamento. (não que tenhamos muita dúvida de seus destinos após a morte, mas são, como qualquer outro ser humano, passíveis de perdão e merecem sua segunda chance). Está nas mãos de Deus!

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Vingança

“Eu sei que sou uma pessoa medrosa, sem preparo. Mas tenho meus sentimentos.”
E foi assim que Maíra se despediu de Maurício quando este terminou o longo relacionamento de 16 anos, onde ambos viveram felicidades e angústias, juntos. O motivo pelo qual a relação foi interrompida nunca se soube. Maurício sempre foi um homem vadio, porém seu amor por Maíra era declarado.
Ela saiu de casa às 17 horas do dia 15 de março e voltou ao lar dos pais com trinta e dois anos de idade; ele ficou, afinal de contas o apartamento era posse sua.
Quando se conheceram ela tinha dezesseis e ele trinta. A diferença de idade nunca foi problema para ninguém, muito pelo contrário; os pais de Maíra sempre fizeram muito gosto pela relação, uma vez que diziam sempre que a filha deles era uma moça muito madura pela idade que tinha.
Maíra sempre foi uma moça tímida, covarde. Parou de estudar quando completou o segundo grau, mas nunca deixou de ser orgulho para seus progenitores. Começou a trabalhar quando nova na loja do Seu Elídio, com quinze anos, vendendo roupas. Aos dezoito passou a ter carteira assinada e com dezenove tornou-se gerente da butique. Nunca foi de conversar muito com os clientes, fazia seu trabalho calada, com o olhar perdido.
Maurício casou-se cedo; com vinte anos engravidou uma rapariga de vinte e três e foi obrigado pelos pais da moça a unir-se em matrimônio com ela. A união durou cinco anos mal vividos. Maurício foi embora e nunca mais deu as caras. A criança cresceu sem pai. Ele, na verdade, era um homem boêmio, não queria saber de responsabilidades e sempre viveu da herança do pai que morreu de câncer. Sua mãe nunca lhe deu muita atenção, daí o motivo dele ter saído moço de casa para viver uma vida independente.
Quando conhecer Maíra logo pensou em se aproveitar da jovialidade da moça, e acabou o fazendo. A viu, um dia, saindo do serviço e logo foi a seu encontro. Com cinco minutos de conversa ganhou a moça. Ela pensando que havia encontrado o homem dos seus sonhos, e ele louco de desejo. As palavras doces que ele lhe dirigiu nada mais foram do que a lábia de um cafajeste prestes a dar o bote. Dito e feito. Dois meses depois estavam namorando. Ela com ele, e ele com ela e mais umas cinco.
Algum tempo passou e um sentimento nasceu. Um carinho talvez. Maurício nunca foi de sentimentalismos e muito menos acreditava em amor. Já Maíra, coitada, passava horas lendo livros de romance e sonhando acordada. Seu marido significava a vida para ela. Ele a traía com tantas outras que não era possível nem enumerá-las.
Quando Maíra engravidou, porém, Maurício ficou bobo. Sabe-se lá o que aconteceu, mas o machão cedeu ao deleite da paternidade. Morria de amores cada vez que olhava para àquela barriga que crescia. Suas amantes? Foram todas deixadas de lado, viraram passado.
No aniversário de 10 anos de Aninha, a filha do casal, Maurício sumiu. Pobre Aninha. Caía em prantos cada vez que se lembrava do pai. Ele sempre foi muito amoroso com a menina.
Aninha cresceu num lar estável. O pai trabalhava das 8h às 18h todos os dias, a mãe ficava em casa cuidando da menina. A educação que lhe foi dada foi uma educação rígida, porém inundada de carinho.
Certo dia, Maíra abrira uma carta que fora endereçada a Maurício com o remetente em branco. Era sua ex-mulher. E foi assim que Maíra descobriu todo o passado do marido. A carta contava desde o dia do nascimento de Joaquim a seu último aniversário; contava ainda como o menino perguntava pelo pai e a não aceitação dele pelo padrasto.
Maurício teve uma reação agressiva quando soube que a esposa abrira tal carta. Um tapa certeiro na face de Maíra foi suficiente para demonstrar sua raiva. Ela calou-se diante de tal atitude. Maurício não se desculpou, porém ela o perdoou. O amor era tanto que ela não podia ver-se em crise com o esposo. Algum tempo após esse episódio, Maíra pediu ao marido que a apresentasse a Joaquim. Ele recusou e nunca mais tocaram no assunto.
Cinco dias após seu sumiço, Maurício telefonou à Maíra dizendo-lhe que nunca mais o procurasse. Chorando, a única coisa que ela conseguiu pronunciar foi que tinha sentimentos. Ele desligou o telefone sem maiores explicações.
Deste dia em diante Maíra começou uma busca desenfreada pela família abandonada de seu marido. Apesar de toda a sua covardia, ela resolveu lutar para descobrir os reais motivos de ambas as separações. Não conseguia viver abandonada e queria saber o porquê daquela mulher ter passado pelo que passou.
Idas e vindas não foram suficientes para que Maíra descobrisse o paradeiro de tal família. Um ano depois Maurício voltou para casa. Dez dias se passaram sem que nenhum dos dois pronunciasse uma palavra. Quando ele resolveu falar, foi pedindo que Maíra saísse de seu apartamento.
Mesmo morando na casa dos pais, a busca não cessou. Para Maíra, o único motivo plausível para que ela e o marido se separassem era esse – outra família. Porém nunca mais teve notícias de Maurício. A busca por essa outra família foi deixada em segundo plano no dia em que Aninha pediu, com os olhos cheios d’água, que a mãe parasse de viver em função dos outros e passasse a existir para si mesma.
Dois anos se passaram sem que Maíra sequer pensasse em Maurício e sua outra família. Dedicou-se inteiramente a Aninha. Certo dia, porém, sentiu um arrepio. Arrepio este que fez Maíra lembrar diretamente de seus fantasmas. Joaquim e sua família. As horas foram passando e nam sentiu um arrepio. Arrepio este que fez Maueaquim jamais conseguiu se livrar.aada tirava da cabeça de Maíra o pensamento fixo em Joaquim. Como queria conhecê-lo.
Neste mesmo dia o telefone tocou forte. Maíra realmente o conheceu. E isso foi no enterro do marido. Joaquim foi preso no velório de Maurício por ter se vingado de um pai ausente. Um tiro certeiro, e marcas de um passado que Joaquim e Maíra jamais conseguirão se livrar.